
Fatores de risco para o câncer: O papel do fumo
12 de junho de 2025
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8 de agosto de 2025Um importante fator de risco para o desenvolvimento de vários tipos de câncer é a obesidade, devido às alterações hormonais e metabólicas provocadas pelo excesso de gordura corporal. O câncer e a obesidade são doenças multifatoriais, ou seja, possuem várias causas, o que torna essa associação ainda mais desafiadora em termos dos processos biológicos e da interação entre essas condições.
Causas e consequências da obesidade
A obesidade é uma doença causada por vários fatores, dentre eles a genética, hormônios, comportamento e o ambiente. Esses fatores são complexos em si, podendo também ser resultado de outras doenças físicas ou psicológicas. Como exemplo, a síndrome dos ovários policísticos, uma condição que afeta aproximadamente 5-10% das mulheres, pode levar ao sobrepeso ou à obesidade. Nessa condição, ocorre um aumento dos níveis de testosterona e outros hormônios masculinos, o que favorece o acúmulo de gordura na região da cintura e do abdômen. Esse tipo de gordura é considerado mais prejudicial do que aquela distribuída de forma uniforme pelo corpo.
Outra condição de saúde que possui relação com a obesidade é a fibromialgia, uma doença em que áreas do cérebro que processam a dor, interpretam as sensações dolorosas com maior intensidade. Apesar de não estar claro se a obesidade é causa ou consequência da fibromialgia, estudos mostram que existe uma relação entre as duas condições. Os mecanismos sugeridos para explicar essa relação incluem a redução da atividade física por intolerância à dor, alterações cognitivas e do sono, depressão e outras comorbidades psiquiátricas, disfunções da tireoide e do eixo neuroendócrino, além de outros distúrbios hormonais.
Mudanças nos parâmetros associados à obesidade
A pesquisa da obesidade têm avançado muito nos últimos anos, derrubando vários mitos propagados até hoje. A Dra. Sophie Deram, engenheira agrônoma, nutricionista e pesquisadora em comportamento alimentar, esclarece que o déficit calórico (gastar mais calorias do que se consome), amplamente divulgado como a principal ação para a perda de peso, não é eficaz a longo prazo: “Faz muito sentido que déficit calórico, ou consumir menos calorias do que gastamos, leve à perda de peso. E parece que realmente é o que acontece a curto prazo, mas a longo prazo é diferente. Isso porque não somos máquinas, mas sim seres humanos coordenados por processos biológicos, sem falar na influência do ambiente e da sociedade. Nosso cérebro está sempre trabalhando para equilibrar a ingestão e o gasto energético e muitos hormônios e neurotransmissores estão envolvidos nisso”.
Outro parâmetro amplamente difundido para a definição da obesidade, o Índice de Massa Corporal (IMC), não será mais utilizado como único fator para determinação de obesidade clínica. Esse tema já vem sendo debatido por profissionais da área da saúde há muitos anos. Recentemente, uma comissão formada por pesquisadores de diversas instituições de referência mundial no tratamento da obesidade publicou um artigo na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology (2025), no qual concluiu que “as medidas atuais de obesidade baseadas no IMC podem subestimar e superestimar a adiposidade e fornecer informações inadequadas sobre a saúde no nível individual, o que prejudica abordagens clinicamente sólidas para cuidados e políticas de saúde”. O artigo ainda complementa: “O preconceito e o estigma baseados no peso são grandes obstáculos nos esforços para prevenir e tratar a obesidade de forma eficaz; os profissionais de saúde e os formuladores de políticas públicas devem receber treinamento adequado para abordar essa importante questão da obesidade”.
Obesidade e câncer
Um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine, em 2016, pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (International Agency for Research on Cancer, IARC) concluiu, com base em uma revisão de mais de 1.000 estudos científicos, que há evidências consistentes de que maiores quantidades de gordura corporal estão associadas a um aumento no risco de desenvolver diversos tipos de câncer. Os cânceres associados à obesidade ou ao sobrepeso incluem: endométrio, esôfago, estômago, fígado, rim, mieloma múltiplo, meningioma, pâncreas, colorretal, vesícula biliar, mama (principalmente na pós-menopausa), ovário e tireoide.
Vários mecanismos têm sido sugeridos para explicar como a obesidade leva ao aumento do risco de desenvolvimento do câncer. O tecido adiposo produz estrogênio, um hormônio que influencia a multiplicação celular e é conhecido por seu papel no início e desenvolvimento do câncer. Outros hormônios com ação semelhante à do estrogênio e produzidos pelo tecido adiposo, são as adipocinas, que também podem influenciar o desenvolvimento do câncer.
Pessoas com obesidade frequentemente apresentam níveis sanguíneos elevados de insulina, uma condição conhecida como hiperinsulinemia, que é decorrente da resistência à insulina e precedem o desenvolvimento de diabetes tipo 2, outro conhecido fator de risco para o câncer. Outros fatores, como inflamação crônica e alterações metabólicas e imunológicas causadas pelo excesso de tecido adiposo, também podem levar ao câncer.
A influência dos hábitos
Além do impacto do aumento de células adiposas no organismo, o câncer relacionado à obesidade pode estar ligado a outro fator importante: o consumo de alimentos ultraprocessados. De acordo com um artigo do Instituto Nacional do Câncer (INCA), “A epidemia de obesidade está diretamente relacionada à transição alimentar em curso no País. Os brasileiros, infelizmente, estão trocando os alimentos frescos e as formas tradicionais de preparo das refeições por alimentos processados e ultraprocessados”.
Isso têm um grande impacto no aumento do risco de câncer, uma vez que esse tipo de alimento contém ingredientes que aumentam a chance de desenvolver obesidade, como grandes quantidades de açúcar, sal e gorduras. Mas é importante lembrar que nenhum alimento, por si só, é um vilão. O essencial é ter equilíbrio.
O Ministério da Saúde lançou o Guia alimentar para a população brasileira, visando instruir e estimular uma alimentação saudável, diminuindo assim o risco de doenças. É um guia de fácil leitura que ajuda na compreensão dos tipos de alimentos e oferece dicas práticas sobre como melhorar a alimentação desde a escolha até o preparo das refeições.
Alimentação e exercícios físicos são ótimas formas de prevenir e tratar a obesidade, diminuindo o risco de câncer e outras doenças causadas pelo excesso de gordura no organismo. No entanto, é importante lembrar que, ao contrário da crença popular, a obesidade não é causada por “preguiça”, “falta de força de vontade” ou apenas por “comer porcarias”. Essas crenças dificultam muito o processo de assimilação e tratamento da doença. É fato que a falta de exercício físico e consumo de alimentos ultraprocessados podem piorar a condição, mas muitos outros fatores podem influenciar esses hábitos. A própria rotina da pessoa pode ser um fator que contribua para o sobrepeso, considerando-se a carga horária e deslocamento para o trabalho, o estresse, condições econômicas, a falta de informação sobre alimentação saudável, comorbidades (outras doenças que a pessoa tenha), dentre vários outros fatores.
Muito mais do que o apelo estético, muito presente em nossa cultura, a questão da obesidade é séria e, infelizmente, tratada com muito desconhecimento de suas bases biológicas, às vezes até por profissionais de saúde. Venda de suplementos alimentares e produtos diversos, ou mesmo certas terapias, medicamentos ou planos de exercícios físicos, prometendo resultados milagrosos, são muito comuns no dia a dia. Porém, essas práticas podem ser muito prejudiciais, pois têm efeitos adversos e, geralmente, só visam obtenção de lucro sem benefícios comprovados.
Hoje, sabe-se que a redução entre 5-7% do peso corporal é suficiente para que os efeitos metabólicos apareçam e a saúde melhore. Por isso, é importantíssimo que a obesidade seja tratada como uma questão de saúde, por profissionais da área que saibam aplicar as evidências científicas à prática clínica, oferecendo tratamentos que apresentem bons resultados. O correto tratamento de eventuais condições de saúde, somado à adequação de hábitos pessoais, como exercícios e alimentação equilibrados, é o que realmente produz benefícios duradouros, inclusive na prevenção do câncer!
Referências
- National Cancer Institute (NIH) – Obesity and cancer, 2025: https://www.cancer.gov/about-cancer/causes-prevention/risk/obesity/obesity-fact-sheet
- Instituto Nacional do Câncer (INCA) – Peso corporal, 2025: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/causas-e-prevencao-do-cancer/peso-corporal
- Lauby-Secretan B, Scoccianti C, Loomis D, Grosse Y, Bianchini F, Straif K; International Agency for Research on Cancer Handbook Working Group. Body Fatness and Cancer–Viewpoint of the IARC Working Group. N Engl J Med. 2016 Aug 25;375(8):794-8. doi: 10.1056/NEJMsr1606602.
- Dias DNG, Marques MAA, Bettini SC, Paiva EDS. Prevalence of fibromyalgia in patients treated at the bariatric surgery outpatient clinic of Hospital de Clínicas do Paraná – Curitiba. Rev Bras Reumatol Engl Ed. 2017 Sep-Oct;57(5):425-430. English, Portuguese. doi: 10.1016/j.rbre.2017.02.005. Epub 2017 Mar 22.
- Manual MSD – Versão Saúde para a Família – Obesidade, 2024: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/distúrbios-nutricionais/obesidade-e-a-síndrome-metabólica/obesidade#Diagnóstico_v8487727_pt
- Manual MSD – Versão Saúde para a Família – Fibromialgia, 2024: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/distúrbios-ósseos-articulares-e-musculares/doenças-dos-músculos-bursas-e-tendões/fibromialgia?query=fibromialgia
- Blog Sophie Deram – Nutrição com Ciência e Consciência – Déficit calórico para emagrecer: será que realmente funciona?, 2024: https://sophiederam.com/br/emagrecer-com-saude/deficit-calorico/
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- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 156 p. : il.https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf