
Todos Somos Transcritos: Leituras essenciais sobre genética, câncer e outras coisas mais!
9 de setembro de 2025A genética é o estudo da hereditariedade, incluindo a análise dos cromossomos, genes e os vários fatores relacionados ao material genético (DNA, RNA, proteínas e outras coisas mais!). Neste artigo, vamos ver como as descobertas nessa área ocorreram ao longo do tempo, chegando às tecnologias genômicas disponíveis hoje. Esta jornada científica pode ser descrita em três eras distintas, detalhadas a seguir, mantendo o foco nos marcos históricos das descobertas feitas por importantes cientistas:
1. A Genética Clássica: Os Fundamentos da Hereditariedade
A história científica da genética iniciou-se com os trabalhos de Gregor Mendel em meados do século XIX. Antes de suas contribuições, a genética era primariamente teórica. Após seus famosos experimentos com ervilhas, o campo se expandiu para incluir a genética experimental.
A base para a observação celular foi construída com a invenção do microscópio óptico de lente única por Zacharias Janssen em 1595 e a consequente descrição da “célula” por Robert Hooke em 1665.
Na década de 1840, Karl Wilhelm von Nägeli, um botânico contemporâneo de Mendel, descreveu estruturas filiformes nos núcleos das células vegetais, que foram posteriormente definidas como “cromossomos” por Heinrich Wilhelm Waldeyer, em 1888.
Frederick Miescher, em 1869, isolou pela primeira vez o que ele chamou de “nucleína”, a partir das células. Hoje, sabemos que a “nucleína” é o DNA.
O marco central da Era Clássica ocorreu em 1865, quando Gregor Mendel introduziu as leis fundamentais da hereditariedade. Seus experimentos demonstraram que traços hereditários são transmitidos por um par de genes (dois alelos) e que os gametas carregam apenas um dos alelos (lei da segregação). O entendimento de que os genes permanecem como entidades distintas (lei da segregação independente), mesmo que as características dos pais pareçam se misturar, forneceu suporte crucial à proposta de Seleção Natural de Charles Darwin, publicada em 1859. Ainda, a lei da dominância descreve que um alelo (gene) pode ser dominante sobre outro, e um traço hereditário será expresso pelo gene dominante.
Em 1909, Wilhelm Johannsen cunhou o termo “gene” para descrever a unidade mendeliana da hereditariedade, introduzindo também os termos genótipo e fenótipo.
Em 1910, Thomas Hunt Morgan demonstrou que os genes estavam localizados nos cromossomos.
Walter Sutton e Theodor Boveri, em 1902, observaram que a segregação cromossômica durante a meiose correspondia ao padrão mendeliano, fundamentando a Teoria Cromossômica da Herança.
2. A Genética Molecular: A Estrutura do DNA e o Código Genético
Durante a primeira metade do século XX, persistia a incerteza sobre a estrutura química do material genético hereditário. A Era Molecular foi definida pelo estudo desta estrutura e dos mecanismos de replicação e expressão.
Em 1944, Oswald Avery, Colin MacLeod e Maclyn McCarty esclareceram a natureza química dos genes ao demonstrar que o DNA pode transformar as propriedades das células, ao contrário do que se pensava ser o papel das proteínas.
Em 1952, Alfred Hershey e Martha Chase forneceram forte suporte à ideia de que os genes são feitos de DNA, mediante experimentos com o DNA de vírus infectando bactérias.
O ponto culminante ocorreu em 1953, quando Maurice Wilkins e Rosalind Franklin publicaram artigos com imagens de raio-X mostrando a estrutura helicoidal do DNA. No mesmo ano, James Watson e Francis Crick descreveram a estrutura de dupla hélice do DNA. Eles modelaram o DNA como uma estrutura dupla, helicoidal, complementar e antiparalela. Esta descoberta e o subsequente conhecimento sobre os cromossomos foram cruciais, pavimentando o caminho para o rápido aprimoramento genético e o estabelecimento de novas tecnologias.
Matthew Meselson e Franklin Stahl demonstraram em 1958 que o DNA se replica de forma semiconservativa.
Sydney Brenner, François Jacob e Matthew Meselson descobriram em 1961 que o mRNA (RNA mensageiro) transfere a informação do DNA do núcleo para o maquinário de produção de proteínas no citoplasma.
Em 1966, Marshall Nirenberg e seu grupo de pesquisa decifraram o código genético, estabelecendo que um códon (ou seja, uma sequência de três nucleotídeos adjacentes) codifica os aminoácidos das proteínas.
Em 1972, Richard Roberts e colegas descreveram as enzimas de restrição, que reconhecem e cortam sequências específicas de DNA, tornando-se uma ferramenta essencial para o mapeamento de genomas.
Frederick Sanger e colegas, em paralelo a Alan Maxam e Walter Gilbert, desenvolveram métodos de sequenciamento de DNA a partir de 1975. O método de sequenciamento Sanger é muito conhecido e utilizado até hoje.
3. A Genômica: Grandes Projetos e Avanços Recentes
O uso da genética em grande escala foi impulsionado por invenções tecnológicas que culminaram na era genômica.
A invenção da PCR (Polymerase Chain Reaction, ou Reação em Cadeia da Polimerase em português) por Kary Mullis permitiu aos pesquisadores gerar milhares a milhões de cópias de uma sequência específica de DNA. Esta técnica é indispensável na ciência moderna, facilitando a automação e simplificando a detecção de mutações genômicas.
O Projeto Genoma Humano foi lançado em 1990 como um esforço colaborativo para sequenciar os 3,2 bilhões de bases do genoma humano. O primeiro rascunho foi publicado em 2001, e o projeto foi oficialmente concluído em 2003, coincidindo com o 50º aniversário da descrição da dupla hélice do DNA. O projeto não apenas revelou a sequência genômica completa, mas também resultou em um enorme aprimoramento na tecnologia de sequenciamento.
A introdução da tecnologia de sequenciamento paralelo massivo, mais conhecido como Sequenciamento de Nova Geração (NGS, do inglês Next-Generation Sequencing), revolucionou a área. Esta tecnologia de alto rendimento reduziu significativamente o custo do sequenciamento de um genoma humano e acelerou drasticamente o ritmo da pesquisa genética. O NGS é amplamente utilizado para a descoberta de variantes genômicas patogênicas, dentre outras finalidades.
Técnicas de Alta Resolução, como a Array-CGH (aCGH, em português, Hibridização Genômica Comparativa), tornaram-se testes diagnósticos de primeira linha, complementares ao cariótipo e FISH (Fluorescence in situ Hybridization, em português Hibridização in situ por Fluorescência). O aCGH detecta variações de número de cópias (CNV, do inglês Copy Number Variation) com alta resolução.
O Futuro da Saúde Humana e a Ética
O progresso contínuo em genética e tecnologias da informação indica que estamos no início de uma era que proporcionará novos horizontes na saúde humana por meio da aplicação de testes genéticos para a medicina personalizada. As técnicas genéticas poderão se tornar uma análise laboratorial primordial em quase todas as doenças humanas.
Atualmente, milhares de genes ligados a doenças já foram identificados, e o Projeto Genoma Humano tornou os métodos de teste genético amplamente acessíveis. No entanto, o rápido avanço tecnológico apresenta desafios complexos, como:
• Interpretação de Dados: O enorme volume de dados gerado por tecnologias como o NGS exige cautela na interpretação, além de desenvolvimento de técnicas computacionais e estrutura de processamento de dados;
• Questões Éticas e Legais: O aumento da disponibilidade de testes genéticos diretos ao consumidor levanta preocupações. Isso inclui o risco de resultados inexatos ou incidentais, ou seja, que não causam malefícios diretos, mas que podem levar a pessoa a associar esse achado com doenças, aumentando dúvidas e ansiedade. Além disso, existe o risco significativo de uso não autorizado de informações genéticas sensíveis.
Em conclusão, é essencial que, em paralelo com os rápidos desenvolvimentos tecnológicos, questões éticas e legais sejam abordadas. Protocolos detalhados, diretrizes e o processo de consentimento precisam ser atualizados regularmente para garantir a integração responsável da genômica à prática clínica multidisciplinar.
Referências
- DNA Learning Center (DNALC). DNA from the Beginning – An animated primer of 75 experiments that made modern genetics. [Material Educacional]. Cold Spring Harbor Laboratory. Financiamento: Funded by The Josiah Macy, Jr. Foundation. Copyright: © 2002 – 2011, Cold Spring Harbor Laboratory. All rights reserved.
- NIH – National Human Genome Research Institute – Educational Resources – https://www.genome.gov/Pages/Education/GeneticTimeline.pdf
- DURMAZ, Asude Alpman et al. Evolution of Genetic Techniques: Past, Present, and Beyond. BioMed Research International, Volume 2015, Article ID 461524, 7 pages. Hindawi Publishing Corporation. DOI: http://dx.doi.org/10.1155/2015/461524.